sexta-feira, 11 de julho de 2008

Entrevista Jaqueline Beltrame

1) Como começou o teu interesse por arte?

Desde sempre. Meu pai é super culto, gosta muito de música, além de ser muito “ligado” em cinema. Quando disse para ele que faria faculdade no Instituto de Artes, ele achou ótimo, e me disse, inclusive, que sempre achou que eu seria atriz, o que me deixou bastante aliviada, porque embora eu não tenha optado por artes dramáticas, ainda assim minha escolha não causou uma grande surpresa. Por ter tido sempre esse incentivo de família, entrei no Instituto de Artes já conhecendo vários filmes, alguns diretores que eu considerava como sendo uma “verdade universal” eram para meus colegas uma descoberta, foi então que percebi que aquele repertório que eu já possuía não era “natural”.

2) O que tu mais gostavas na faculdade?

Entrei na faculdade com 17 anos, em 1994. Lembro-me de uma aula sobre Hélio Oiticica e Lygia Clark que fiquei em êxtase e ao mesmo tempo “levei um baque”, pois percebi o quanto era ignorante. Nesse mesmo ano, fui pela primeira vez na Bienal, em São Paulo. Essa experiência me deixou bastante confusa e ainda mais instigada a ler e conhecer sobre o assunto. Não estávamos habituados com as “Bienais” aqui em Porto Alegre, nessa época ainda não havia ocorrido esse evento por aqui, só existia o MARGS, a Casa de Cultura e museus tais como o Júlio de Castilhos.

3) Como e Por que tu foste trabalhar com Produção Cultural?

Sempre preferi teoria à prática. Lia bastante. Apesar disso, minha ênfase era pintura, algo prático. Eu me esforçava muito para trabalhar, tive mais de um ateliê. Cheguei a fazer algumas boas obras, mas não tinha vontade de pintar, então acabava fazendo sempre com muita culpa, não era algo natural, soava falso, pois não havia uma grande construção de pensamento em cima daqueles trabalhos. Minha primeira experiência com produção foi através do cinema, pois além de ter um interesse nessa área, o campo das artes visuais na cidade era bem raso. Alguns desses projetos ficaram inacabados, outros nem foram lançados. Além disso, fui mediadora nas duas primeiras Bienais que aconteceram aqui em Porto Alegre. Em uma das aulas da graduação, passou entre os alunos uma ficha em que devíamos colocar nossas áreas de interesse e se já tínhamos alguma experiência nas mesmas. Pouco tempo depois, passamos por uma greve de seis meses na universidade. Durante esse tempo, trabalhei na produção da terceira Bienal do Mercosul, fato que se deve à minha experiência como produtora em alguns curtas cinematográficos relatada na ficha que mencionei.

4) Tu inicias na faculdade com uma impressão e parece que ela vai mudando ao longo da graduação. A Bienal foi um divisor de águas na escolha do teu campo profissional?

Trabalhando na Bienal eu descobri minha profissão. Aprendi que poderia utilizar o meu conhecimento em artes de uma outra forma, que não a prática artística. Eu percebi que no mercado de arte contemporânea era necessário que existissem pessoas que viabilizassem a efetivação dos projetos artísticos. Foi um grande alívio, uma vez que eu não gostava de pintar, mas assim mesmo poderia trabalhar naquele “mundo”.

5) Como uma produtora cultural auxilia na viabilização de projetos artísticos?

Isso varia de trabalho para trabalho. No caso do filme “Cão Sem Dono”, por exemplo, o projeto já veio pronto de São Paulo, idealizado pela produtora paulista Drama Filmes, com os diretores Beto Brant e Renato Ciasca que gostariam de filmá-lo em Porto Alegre. O Produtor Executivo em Porto Alegre foi o Gustavo Spolidoro (diretor de cinema) e eu fiz assistência para ele. Neste caso, a minha função foi muito mais operacionalizar uma idéia que veio de fora a partir dos contatos e dos meios que eu tinha aqui na cidade. Já no Cine Esquema Novo eu estive presente desde o início, desde a idealização do projeto.

6) Como surgiu a idéia de fazer o Cine Esquema Novo?

A idéia inicial partiu do Gustavo Spolidoro. Nós sempre comentávamos sobre o fato de como os festivais de cinema eram “caretas”. O máximo que nós tínhamos era o Festival de Gramado e a gente percebeu que tinha muito filme sendo feito por aí, mas que a maioria das pessoas não tinha acesso.
Então, depois de muitas trocas de e-mails, a gente decidiu se reunir e pensar como seria o festival que gostaríamos de freqüentar, como seriam os critérios de seleção, se iríamos cobrar entrada, como funcionaria a divulgação, se traríamos o pessoal de fora ou não, se exibiríamos em lugares em que não há sala de projeção, como a periferia. Enfim, tivemos de decidir tudo para depois irmos atrás das formas de fazer isso acontecer. Nessa segunda etapa tivemos de aprender como funciona a LIC (Lei de Incentivo a Cultura), como montar um edital de um modo que o projeto se torne atrativo para os investidores, sendo que neste projeto não havia nenhum fim lucrativo, ou seja, tivemos que convencer que o Festival traria um retorno positivo para a sociedade. Foram dois anos trabalhando para que ele acontecesse. O primeiro foi realizado em 2002.

7) Como tu definirias o campo de um produtor cultural em Porto Alegre?

Eu nunca fiquei sem trabalhar. Iniciei na faculdade, quando produzi alguns curtas, logo vieram minhas participações em Bienais, daí não parei mais. O campo artístico funciona muito através de uma rede de relações que nós acabamos criando com os outros profissionais do sistema das artes. Tu fazes um trabalho, depois alguém com quem tu trabalhaste te indica pra algum outro e as coisas vão acontecendo. No ano passado aconteceu algo inusitado, pois eu fiquei por duas semanas sem ser chamada para algum projeto. Por um lado foi bom ter tido esse tempo, pois parei para pensar e percebi que estava um pouco cansada desse ritmo de iniciar um trabalho e logo depois ver ele acabado. Tive vontade então de trabalhar com algo que eu pudesse dar uma continuidade maior, me dedicar por mais tempo. Nessa ocasião fui convidada para trabalhar na Box, que é uma agência pesquisadora de tendências.

8) No que consiste o teu trabalho na Box? É muito diferente do que tu já costumavas fazer?

Na Box sou a Coordenadora de Pesquisas. A empresa tem como foco o comportamento de jovens de 18 a 24 anos porque acredita que é a partir deles que são ditadas as tendências para todas as outras faixas etárias. Em geral trabalhamos com dois tipos de pesquisa: a de tendência, como o comportamento do jovem carioca em relação às mídias digitais, e a pesquisa de consumo, como que modelo de carro da Fiat se enquadra para determinado público. A primeira seria uma pesquisa bem mais ampla, enquanto a segunda, algo bem mais específico. O meu trabalho consiste em organizar essas pesquisas. O target (alvo, objetivo), como chegar nele, não importa onde ele esteja. - aqui, no Rio de Janeiro, no México. Assim como no Cine Esquema Novo, eu tenho que estar “por dentro” de tudo que está acontecendo. O diferencial da Box foi o fato de eu perceber que existe um “mundo” que influencia totalmente no das artes visuais que eu desconhecia, mas que eu deveria conhecer.

9) Pretendes ou sentes a necessidade de voltar a estudar?

Eu gostaria, mas não tenho tempo. Até tentei fazer algumas disciplinas em outras áreas, mas não consegui conciliar os horários do trabalho com o das aulas. Conheço bastante gente da área que fez pós-graduação, mas geralmente essas pessoas dedicam – se mais à academia, gostariam de dar aulas. Apesar de não poder me dedicar a esse estudo mais formal, estou constantemente aprendendo, pois quando não estou trabalhando, continuo ligada à arte, seja conversando com amigos da área, freqüentando o maior número possível de exposições, lendo revistas especializadas, assistindo a filmes. Por causa disso, sou chamada de workaholic pelos meus amigos.

10) De que forma tu sentes que o que tu aprendeste na faculdade é aplicado no teu trabalho?

O fato de as pessoas saberem sobre a minha formação faz com que me perguntem sobre algo que acham que só eu saberei.
Elas sabem que eu tenho um olhar estético mais apurado, uma linguagem diferente. Além disso, o tempo todo no meu trabalho tenho de usar da criatividade para resolver os problemas que aparecem. Isso é o que eu mais adoro!

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