quarta-feira, 9 de julho de 2008

Entrevista com o crítico de arte Eduardo Veras

Fala teu nome completo, por favor.

Eduardo Ferreira Veras.

Qual a tua formação?

Eu fiz graduação em comunicação na UFRGS e depois comecei a graduação em Artes Visuais lá no Instituto, mas não terminei. Eu fiz mais ou menos uns dois anos e meio, cheguei a fazer as introduções. Todas não. Mas fiz a gravura, a cerâmica, fiz todas as cadeiras de desenho que eu podia fazer, mas daí não terminei o curso. E depois eu fiz o mestrado em História e Teoria crítica com orientação de Elida Tessler e agora estou fazendo o doutorado com orientação da Mônica Zielinsky.

Como se deu o teu interesse pela arte e, por conseqüência, como tu chegou à crítica de arte?

É difícil determinar uma origem para um interesse que a gente tem. E mesmo quando a gente determina isso, sempre acredita que seja uma ficção. Uma história que a agente está inventando pra poder contar isso de alguma maneira. Se eu tivesse que determinar, eu diria que meu interesse veio pelo fato de eu desenhar. Desde sempre, desde criança... Como todo mundo... Algumas pessoas param de desenhar e outras continuam. Eu gostava de desenhar e as pessoas elogiavam meu desenho. Então, acho que meu interesse vem daí. Agora, o interesse por algo como a História da Arte, talvez venha do fato de que eu comecei a ler desde pequeno os livros do Monteiro Lobato. E os livros que mais me interessaram foram os livros do Monteiro Lobato que tratavam de mitologia Greco-Romana. Depois apareceu, quando eu era um pouco mais jovem, quando eu tinha uns doze anos, uma coleção de fascículos de banca sobre mitologia Greco-Romana e eles eram ilustrados com obras de arte. Eram ilustrados tanto por artistas da antiguidade como por artistas modernos, de Pequim que trabalhavam com ... E aquilo direcionou meu olhar. Agora, quanto à questão da crítica, acho que... Eu sempre fui meio resistente a me apresentar como um crítico. Na verdade eu sou um jornalista. Não existe uma formação dentro do jornalismo pra produção crítica. Essa é uma formação que as pessoas fazem pela sua própria conta e acho que existe uma diferença muito grande... Eu procurei, num momento da minha vida, uma formação acadêmica mais aprofundada. Fiz uma pós-graduação (e continuo fazendo, né), mas acho que a atividade que tu consegue desenvolver na academia, ela tem apenas alguns pontos de contato com o jornalismo. É muito diferente, não tem como... Eu diria que a questão essencial seja a questão do tempo. O jornalismo é algo feito com muita premência, com muita pressão e isso não combina com a experiência reflexiva, com o texto crítico. Então, há um esforço – um esforço mais ou menos recente – por parte dos jornais e por parte do jornal que eu trabalho, que é a Zero-Hora, de se ter textos mais críticos. Mas não basta só eu ter vontade e a possibilidade de publicar isso, mas a gente trabalha com uma tal pressão que não combina. Não se tem tempo pra pensar – que seria o ideal, né. Até por que você tem numerosas atividades que se acumulam. Eu acho que já aceito me chamaram de crítico. Eu acho que sou um jornalista, um repórter que cobre as artes plásticas já a bastante tempo. Eu estou completando 15 anos na Zero Hora, acho que esta semana (Risos). E desde o início eu acompanho a área de artes plásticas. Mas geralmente entrevistando as pessoas e fazendo matérias. Eventualmente fazendo crítica. Crítica é o que eu menos faço, embora goste de fazer. É algo... é um texto que precisa ser mais elaborado...

... Precisa de um pouco mais de pesquisa...

... não é nem mais pesquisa, é mais pra parar e pensar sobre. Por que pra outros tipos de textos, tu não vai precisar (...) É mais a urgência, não combina....

De que forma os textos criados por outros críticos acaba influenciando o teu trabalho?

Pois é... Daí eu teria que fazer uma investigação atenta do meu trabalho como jornalista e do meu trabalho como investigador acadêmico. Tem pontos de contato, mas não são a mesma coisa. Os textos criados por outras pessoas sempre vão ser referencias pra gente. Mesmo inconsciente. Tem uma frase do Humberto Ecco que diz “todo livro é sobre outro livro”. Mesmo que a gente não saiba. As referências existem. Claro, tudo que tu lê, tu tens os autores os quais tu te reporta mais seguidamente, aqueles que são mais caros. Mas depende também do objeto que tu ta te propondo a examinar. Conforme o objeto ele vai te exigir alguns autores ou outros. Mas a pergunta era do que forma os textos criados... Bom daí, eu acho que o texto acadêmico, essa influencia é mais direta e mais explícita. Mas no texto pro jornal, mesmo que seja um texto crítico, o espaço é reduzido. Ás vezes, quando tu ta trabalhando com um autor de referência, tu nem vai citar, por que não tem espaço pra isso. Texto jornalístico não tem nota de rodapé. Ás vezes não aparecem mas as referências tu estás constituindo delas, quer tu queira, quer não.

Como a resposta do público frente a uma crítica feita por você é recebida. Isso influencia de alguma forma o trabalho?

Na verdade eu quase nunca tenho e agora eu vou roubar uma frase do Sergio Faraco, que é um escritor, contista que mora aqui em porto alegre, ele escreve eventualmente crônica, crônica pra Zero Hora inclusive. Ele é muito meu amigo, e alguém perguntou pra ele sobre isso. Ele disse que a opinião dos outros não interessa minimamente. “Por que não é isso que vai me fazer escrever melhor. Se fosse tudo bem. Mas não vai fazer com que eu escreva melhor. Então eu acho que quando eu escrevo um texto não me preocupo com o que as pessoas vão achar. Mas eu me preocupo com o que as pessoas vão ler, na medida em que há um esforço de clareza, de concisão. Eu gosto de apresentar da melhor maneira possível alguma idéia que eu tive. De tentar iluminar da melhor maneira possível o que vou comunicar.

... É uma formação do público de certa forma, mas já faz uma diferença entre o público que lê e o que não lê.
Quais seriam os teóricos que tu mais admira?


É impossível fazer essa diferença. Claro que o texto que faço pro jornal ele vai se influenciar pela minha pesquisa acadêmica, pelos textos que eu leio na academia, mas talvez isso não vá estar tão explícito ali. Mas tem uma questão que pra mim é muito importante, que não por acaso minha orientadora agora é a Mônica Zielinsky. É uma questão que talvez eu já soubesse, mas que a Monica me explicitou, que é uma idéia muito cara. A idéia de que a gente não deve colocar a teoria antes do objeto que nos propomos a analisar. A gente tem que chegar para o objeto e perguntar. E partir do objeto e das perguntas que ele te propicia - perguntas que vão ser formuladas a partir da bagagem que tu tens - tu vai buscar a teoria que melhor vai responder aquilo. Claro, tu não pode te despir da teoria, mas ás vezes as questões que a obra que tu te propõe a examinar, elas serão melhor respondidas por algum autor que tu não está tão familiarizado. Tu tens que recorrer àquele. E também acho que nós não temos autores fixos. Vai depender da pesquisa em que tu está. Mas tem autores que me são mais caros. Que tu acaba ficando fiel a eles. No Brasil... claro que eu vou citar minhas orientadoras, Mônica Zielinsky, Elida Tessler, que foi minha orientadora no mestrado, tenho maior respeito... Mas um autor brasileiro que eu gosto muito e é referencia pro meu texto jornalístico também é o Jorge Coli, que é professor de História da Arte na UNICAMP...

... Nós lemos ...

... Esteve ontem em Porto alegre fazendo uma palestra, mas tinha pouquíssima gente. O Coli é um autor que eu respeito não só pelas idéias, mas também acho o que texto dele é de uma clareza que não se rende a sedução retórica. Que é sedutor, tanto pela forma, pelo conteúdo. A gente pode separar essas coisas. Ele é um autor que eu respeito muito. Atualmente acho que um autor que está me interessando no momento é o Dantas. Muito em função das pesquisas que eu ando fazendo, mas eu poderia citar muitos outros. Isso depende...

Cada crítico acaba escolhendo um determinado aspecto da arte ou das obras como forma de nortear a crítica. Isso acontece contigo? Qual seria esse aspecto?

Varia conforme o trabalho. Não tem um aspecto. Aqui eu vou procurar estudar o processo, aqui eu vou procurar estudar a artista informal... Acho que cada trabalho vai colocar mais em evidencia o próprio trabalho que vai surgir pra mim.

Quais são teus sonhos em relação a profissão?

São ambições tão particulares... (risos) Eu tenho pretensão de dar aula de preferência numa cidade com praia (risos)

Você acredita que o trabalho do crítico pode validar ou invalidar o trabalho de um artista em início de carreira?

Pode...

Será que a crítica tem esse poder?

Aaaaah ainda tem! Se a gente pensar que... Um artista não se faz sozinho, né. Um artista se faz dentro de um sistema. O sistema ele é composto pelas instituições, pelas galerias, pelos museus, pelos críticos, pelos curadores, então acho que todos esses agentes, eles vão projetar ou não um artista. Sim eu acho que sim. Ninguém está sozinho. A arte não acontece sozinha. A arte acontece dentro de um sistema e entre os vários agentes que atuam no sistema, um deles é crítico. Então acho que sim.

Que mais te seduz na profissão de crítico?

Eu mal consigo pensar na crítica como uma profissão. Vamos chamar de atividade. Mesmo pensar um artista como profissão é algo que me incomoda um pouco, mas isso seria um tema pra uma bela discussão... Eu acho que o que me seduz é o contato com a própria arte e achar que eu possa ter algo a dizer sobre aquilo. Acho que é bem simples.

Como é mercado de trabalho pra crítica de arte?

A gente pode pensar assim né... A atividade do crítico ocupa diferentes aspectos. Um crítico pode ser um curador. Uma curadoria pode ser uma forma de crítica. A catalogação da obra de um artista pode ser uma forma de crítica. Trabalhar dentro de um museu é uma forma de crítica. Se a gente pensar que a crítica é a reflexão sobre um trabalho. Então trabalhar como pesquisador dentro da universidade é uma forma de crítica. Daí tem muitas possibilidades. A gente pensa, escrever pra um jornal é também uma forma de crítica, mas daí... Eu não entendo nada de mercado. Mesmo o mercado de arte pra mim é uma coisa muito complicada. Eu acho que têm muitos atores e interesses atuando. Eu acho que a questão da crítica também...

Não teria como ser muito diferente...

Eu não sei pra que tem mercado! Eu acho o mercado uma questão muito complicada. Eu tenho uma visão meio idealista. Me incomoda a idéia de pensar o artista como profissional. Por que me parece que o profissional é aquele que produz. Parece que o artista se torna um produtor de objetos, um produtor de mercadorias. Quando a arte não é só isso. A arte, às vezes, é produzir algo que não seja vendável, que não retorna em dinheiro. Às vezes arte é isso. E as vezes a reflexão crítica que se faz sobre isso também não retorna em dinheiro. Parece que a profissão é algo que se faz para receber algo em troca. A grande arte foi produzida em troca de dinheiro. Não estou dizendo que arte não possa reverter em grana. A grande arte foi produzida sob encomenda e com pagamento. Em todos os tempos foi assim. Os artistas têm o direito de viver, assim como os jornalistas. Mas acho que nem toda a arte que se faz, resulta em mercado. Pelo contrário, tem toda uma arte que não produz objetos que não produz algo vendável. Daí parece que a gente exclui isso quando falamos de mercado. Mas tem uma arte contra o mercado que com o tempo acaba sendo...

... como exemplo, podemos citar a exposição que está acontecendo agora no Santander. A arte de rua...

... Pois é eu não estou bem resolvido pra esta exposição. Não que eu ache que arte de rua é de rua e tem que ficar na rua. Mas há uma contradição ali que eu não acho bem trabalhada e eu acho que ela deveria ser explorada pelos artistas. Isso poderia vira um motor pra eles. O que eu vejo lá na exposição, grande parte daquilo vira moldura. Parece que pra entrar na instituição tem que ser assim. Não sei eu não tenho uma resposta pra isso... Acho meio esquisito.

Quais seriam tuas sugestões pra quem quer entrar nessa atividade de crítico?

Não tenho uma resposta original. Mas vou citar o Jorge Coli. Não Jorge Coli de ontem, mas o Jorge Coli que eu vi há alguns anos numa palestra na Usina do Gasômetro. Teve um momento que houve um debate e uma professora fez um pergunta: - o senhor num artigo recente, na folha de são Paulo, fez uma crítica muito dura à História Social da Literatura e da Arte do Arnold Hauser - que tinha acabado de ser relançado no Brasil, isso lá em 1996, 1997 -, que livros então o senhor sugere que a gente trabalhe com os alunos? Ele respondeu assim: - livros com figuras. Por que pra se aproximar da arte. O que a gente tem que fazer é olhar, olhar e olhar. Depois que tu olhou muito, aí tu pode ler. Pensando bem, até o Hauser é bom. Porque a bronca dele com o Hauser é que, como autor marxista, ele consegue explicar tudo e muito bem. Claro que pela visão social, marxista, é fascinante. A bronca do Coli é a de que algo que explica tão bem a arte... onde fica a dimensão do mistério do inexplicável que é próprio da arte?

... É nem sempre tu consegues reduzir o visual em palavras...

É. Então eu não faria outra sugestão que não essa: olhar. Depois ler. Por isso é bom a gente fazer uma pós-graduação. Claro que tu não precisa de uma faculdade pra ser artista, e tu não precisas disso pra ser crítico, também. Pra escrever num jornal sim, tem uma lei que diz isso. Mas pra ser artista não. Nem pra crítico. Tem críticos que não tem. Há críticos importantes no Brasil que não tem pós-graduação, nem mestrado, nem doutorado e que foram críticos influentes, importantes, decisivos. Mas me parece que é importante tu buscar uma formação. Eu, por exemplo, fui buscar uma formação pra sistematizar leituras. Tu ter alguém que te diga “isso tu tem que ler, isso tu não precisa. Lê esse que ele já atualizou as questões daquele”. Então tu ter pessoas que te abreviam caminhos. Alguém que te oriente... “As questões que te interessam são essas? Então tu não pode deixar de ler esse e esse” Então tu te aproximar de alguém que já percorreu caminhos e que possa abreviar os teus, é uma saída pra isso...

O que você considera fundamental para a construção de uma boa crítica?

Eu acho que acreditar na escrita, ter experiência, acreditar na experiência. Buscar os autores que são necessários pra ti aprofundares. E acho que na hora de escrever, a clareza. Não acho que tu devas facilitar as coisas. Não. Mas acho que perseguir a clareza é algo importante. E acho que a agente pode ter alguma pretensão uma ambição, de alguma maneira iluminar aquilo tu estás te referindo. Tentar achar algo relevante. Algo que possa fazer alguma diferença. Talvez não pra muita gente, mas pra uma pessoa. Acho que isso é uma motivação.


O que tu considerarias importante nesse trabalho?

Me parece que a gente tem que estar atento ao nível de comprometimento que a gente com as pessoas e com as instituições, que estão envolvidas em torno daquilo a gente está se propondo a comentar. Tem que perceber qual é o teu papel ali e estar consciente do nível de relacionamento que estás tendo como autor. Pra não cometer uma mancada. Cuidar o laço de comprometimento que possa tornar frágil a própria honestidade do teu texto. Tem que saber administrar isso de alguma maneira.

Tem que ser fiel ao que tu estás pensando e ...

Mesmo seguir fiel. O que é seguir fiel? Claro que tu tem as tuas idéias íntimas as quais tu é fiel. Mas é interessante também tu colocar em cheque as tuas idéias. Por que tu é fiel a isso? Será que não tem idéias mais interessantes a serem seguidas? A crítica, assim como arte, não são atividades isoladas do mundo. Se tu estas estabelecendo algum tipo de laço com alguma coisa, tu tens que procurar estar consciente disso. Que laços tu estás estabelecendo? Com quem? E se isso te interessa. Se isso não está te comprometendo com coisas que não te interessam.

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