quinta-feira, 26 de junho de 2008

Entrevista Historiadora - Paula Ramos

por Natália e Ubiratan

Paula Viviane Ramos nasceu em Caxias do Sul, em 1974. É jornalista e professora na UFRGS, UniRitter e FEEVALE. Mestre e Doutora em Artes Visuais – História, Teoria e Critica de Arte pela UFRGS. Foi editora da revista Aplauso. Autora de livros, artigos e capítulos em publicações especializadas em arte e cultura. Desenvolve pesquisa sobre ilustração no Rio Grande do Sul.


1- Quando e como surgiu teu interesse pela historia da arte?
Inicialmente, ingressei na área da comunicação, cursava jornalismo na UFRGS. Achava o curso de jornalismo muito fraco foi que quando estava no terceiro semestre de jornalismo comecei a freqüentar as disciplinas de artes visuais.
Fiz as cadeiras que me eram oferecidas, as histórias da arte I, II e III. Nesta época li Hauser e me apaixonei.
As artes visuais sempre me mobilizaram muito. Lembro que a primeira vez que vi uma obra de arte na minha frente foi numa exposição, acho que em 1993, do Iberê Camargo. Lembro de ter entrado na galeria e ter ficado em estado de choque.

2- Como aconteceu teu primeiro contato profissional com as artes visuais?
Alguns anos mais tarde, me formei em jornalismo e fui trabalhar com comunicação. Trabalhei na RBS TV durante 5 anos; na TV Bandeirantes, 3 anos; na TVE, 2 anos. Gostava do que fazia mas achava que o meio da comunicação não acrescentava muita coisa. Sentia como se estivesse perdendo tempo.
Nesta época, em 1998, surgiu a revista Aplauso, edição número zero. Fui chamada pelo editor da Revista Amanhã que era o chefe de redação das duas revistas, para dar uma arrumada numa matéria da revista piloto de cultura que se chamaria Aplauso. Era uma matéria especial sobre a 1ª Bienal do Mercosul.
Quando a revista saiu, eles me chamaram para ser repórter especial. Acredito que este é um ponto importantíssimo na minha trajetória. Nesta época, eu fazia as matérias de artes visuais e música, porque eram assuntos que eu gostava muito.
Na revista eu assumi este papel de fazer reportagens de artes visuais, mas não tinham um tom critico, eram matérias informativas.
Foi quando comecei a sentir muita carência em termos de informações, pois até aqui eu só tinha o jornalismo, as disciplinas de artes, o Hauser (risos) e minha curiosidade.

3- O que fizeste para suprir a carência de conhecimento histórico, visto que tua formação é em jornalismo?
Resolvi fazer o projeto para o mestrado em 1999. Estava em dúvida com relação a dois projetos, um sobre Iberê, e outro, pelo qual optei. Este projeto interliga a área de comunicação com a área das artes visuais, tendo como tema “O discurso de modernidade das capas ilustradas da Revista Globo”.
Para tanto, estudei os ilustradores, todos eles artistas plásticos, ou que queriam entrar no campo. Analisei suas obras entre 1929 à 1939. Toda a questão da historia cultural versus pintura, comunicação versus informação e de como todas estas questões se cruzam. Terminei em setembro de 2002. No mesmo mês, sai da Revista Aplauso e entrei com o projeto para o doutorado, sendo este uma continuação da pesquisa anterior, agora sobre os livros ilustrados.

4- Como foi tua experiência no Doutorado?
Eu fiz dois anos aqui no Brasil e no terceiro ano após ter sido qualificada, que é uma exigência da CAPES/CNPQ, fui para a Alemanha.
No caso do programa da UFRGS, eles têm convênio com a Sorbone e agora com a Universidade de Valença, na Espanha. Este convênio com a universidade é automático só não vai quem não ficar atento pois a aceitação já existe
Claro que é preciso escolher um orientador. O próprio orientador daqui vai ajudar a escolher um orientador de lá.
Mas no meu caso foi diferente, na época só existia convênio com a Sorbone, e eu não queria, porque meu trabalho tinha haver com artes gráficas. Eu queria ir para a Alemanha. Então, fiz uma proposta para o DAAD e fui fazer uma seleção fora daqui, foi bem cansativo, porque fiz tudo por fora da universidade.

5- Quando se inicia teu trabalho como professora na área de história da arte?
Em 2002, quando eu sai da Aplauso, fui chamada para dar aulas na Feevale. Nunca havia dado aula. Nesta época, estava terminando o mestrado. E adorei, porque quando tu começas a dar aula tu te obrigas a estudar cada vez mais.

6- Quais as áreas de atuação de um profissional da história da arte?
Este profissional trabalha com ensino, pesquisa, museus, instituições culturais...É bem amplo, claro que dentro deste espectro da cultura. Mas geralmente é mais na área de educação e pesquisa.
O problema é que muitas vezes o profissional, como eu, entra nesta roda viva e se vê obrigado a dar aulas em diversas universidades, e não tem tempo para pesquisa.
Porque o que leva uma pessoa a estudar história da arte é a pesquisa, a curiosidade, o querer saber coisas. Acho que a pesquisa é uma vocação do historiador.

7- Qual a importância da história da arte na formação de um artista?
Imprescindível. O artista precisa ter conhecimento das suas referências.

8- Qual a metodologia de ensino acadêmico aplicada à história da arte?
Hoje, um dos livros paradigmáticos que fala de história da arte, lançado nos últimos anos, que chegou ao Brasil, com tradução para o português no ano passado, é justamente um livro do Arthur Danto, “Após o Fim da Arte”, livro no qual o autor discute o fim de um conceito de arte, arte fundada na unicidade, na autenticidade. Um tipo de arte morreu e quando um conceito se modifica, a metodologia se modifica também. Ele discute isso no campo da filosofia. E, por outro lado, temos Hans Belting, autor alemão de “O Fim da História da Arte”. Vejam que os dois livros têm a palavra fim da arte. São palavras chaves. No “O Fim da História da Arte”, de Belting, ele diz que a forma antiga de estudarmos a história da arte acabou porque a arte já é outra coisa. Essas idéias estão ligadas com as idéias de um grande pensador de metodologias, Georges Didi-Huberman. Esse autor tem feito um trabalho imprescindível. Lançou alguns livros que não chegaram ao Brasil, os quais tem mudado a história da arte: Diante da Imagem, Diante do Tempo e A Imagem Sobrevivente. Ele discute pesquisadores da história da arte como, por exemplo, Carl Einstein, pesquisador alemão do início do século, que olhava a história da arte da perspectiva antropológica. E também Abby Warburg, que se preocupava mais com a imagem do que com o discurso e organizava sua biblioteca pelas imagens. Isso gera uma reviravolta no pensamento metodológico, lembrando que estes autores tem dois antecessores. São eles Jacob Burkhardt e Walter Benjamin. Burkhardt é um pesquisador alemão que escreveu um livro fenomenal cujo título é algo como “a cultura visual do renascimento”, no qual o autor não olhou para o renascimento da forma que todos olham. Ele olhou para as imagens, as imagens que o artista tinha à sua disposição. Trouxe uma metodologia própria. Já Benjamin é fundamental para a área de história da arte pois traz como metodologia o método rizomático, no qual as informações vão sendo captadas de diversas áreas e encaixadas no contexto.

9 - Segundo Maria Amélia Bulhões, há uma certa dificuldade de circulação nacional das publicações, que permanecem mais no eixo Rio-SP e importantes lançamentos em idioma estrangeiro demoram a serem traduzidos. Concordas?
Como isso interfere no trabalho do historiador da arte? A pesquisa do historiador de arte é feita, sobretudo, com base nos livros. O historiador lê, discute e pode trabalhar inclusive academicamente os textos. Então, se pensarmos que as obras do Danton e do Hans Belting levaram 15 anos para serem traduzidas e chegarem ao Brasil, vemos que isso é muito tempo. Surge então a necessidade de se comprar livros pela Internet, para ficar razoavelmente atualizada com o que está sendo discutido. Muita gente faz isso.
Nos cursos de Pós-graduação, é necessário ter fluência em inglês e no doutorado, em inglês e francês, pois as bibliografias nesta área estão todas nestes idiomas. Mas esta situação de demora na tradução e publicação dos livros está mudando. Há, por exemplo, a editora Cosac Naify, que tem lançamentos a toda hora, de excelente qualidade, que para o professor é ótimo. Então, essa situação já foi pior.

10- Como tu vês os sites de dados sobre a produção artística na internet?
Penso que tem algumas coisas incríveis na Internet. Obviamente há também muita bobagem. Eu, por exemplo, uso muito um site de imagem, web galery of art, www.wga.hu. É um site húngaro só de imagens, do gótico ao século XIX, onde possui dados sobre o artista, data de nascimento, entre outros, tudo em alta resolução. Este acesso a uma galeria de imagens confiável facilita na hora de preparar as aulas.
A Internet é uma ferramenta que deve ser usada com parcimônia, pois se a pessoa não tem o mínimo de informação sobre o assunto e sai sozinha em busca das imagens de um artista no google, pode esbarrar com imagens não condizentes com o conteúdo que está sendo buscado. É preciso cautela.

11- Fale um pouco, em linhas gerais, sobre processo de desenvolvimento artístico que ocorreu em Porto Alegre e como este processo foi importante para a consolidação do historiador da arte.
O campo artístico se desenvolve no Rio Grande do Sul no início do séc XIX. Ocorreram fatos importantes. O primeiro é a criação da Escola de Belas Artes, sendo inciado em 1908, com o curso de música e em 1910 se instaura os cursos de desenho e pintura. É o início do desenvolvimento do campo artístico. Com isso, em pouco tempo, vamos ter os salões de arte. Em 1922, temos o Salão de Outono que mostrou o trabalho de pessoas importantes, como Oscar Boeira. Há um fortalecimento desse campo, com a criação da Associação de Artistas Plásticos Francisco Lisboa, a Chico Lisboa, que surge em 1938 e é uma das mais antigas, senão a mais antiga Associação de Artistas Plásticos do Brasil. É muito interessante observar como este campo se instaura no RS, porque de um lado havia a Escola de Belas Artes e de outro havia artistas que eram alijados do sistema porque não pertenciam ao que hoje é o Instituto de Artes. E quando os artistas da Globo criam a Chico Lisboa, esse campo começa a se fortalecer, mas brigando, pois eram os artistas da Chico Lisboa contra os alunos do IA. O crítico de arte, Ângelo Guido, que publicava no Diário de Notícias e dava aula história da arte no IA, defendia os artistas do IA. E, por outro lado, Aldo Obino, que publicava no Correio do Povo, e defendia os artistas da Chico Lisboa. E, no meio dessa guerrinha, havia a figura de João Farion, que transitava nos dois lados. Neste momento, é muito interessante acompanhar as discussões da década de 30 sobre o que é arte moderna pois eles faziam arte moderna, muitos deles sem saber, e criticavam a arte moderna. O campo artístico no RS começa a se fortalecer nos anos 40, quando é criado o Clube de Gravura, formado pelos artistas do clube dos artistas de Bagé, cujos participantes eram Glauco Rodrigues, Danúbio Gonçalves, Carlos Scliar. O Clube de Gravura vai ser um aglutinador de gente. Eles têm um discurso e uma preocupação com a arte que é bem regionalista, uma busca da identidade. Outro momento bem importante para a afirmação do campo foi a criação do MARGS, em 1954. E uns anos depois, outro momento que podemos destacar foram as ações do Grupo N.O., Nervo Óptico, nos anos 60, 70, em que podemos perceber toda a questão da arte conceitual, da fotografia, quando o RS era um pólo de arte conceitual no Brasil, devido as atuações do grupo NO. Este grupo organizava palestras, cursos e workshops, com nomes grandes nomes da arte. Nos anos 80, Há uma explosão no mercado, importantíssima para os artistas locais, porque é quando a famosa geração 80, que vem fazendo pintura, encontra um mercado ávido por consumir arte. Sendo assim, o mercado se fortalece e os artistas começam a viver do seu trabalho e o campo artístico se fortalece e nele todas que fazem parte do campo artístico.

12- Sabemos que é difícil pensar em História da Arte local sem acervos públicos. Como funciona a sistemática destes acervos em Porto Alegre?

Temos em Porto Alegre acervos bem razoáveis em termos de arte. Mas geralmente não catalogados ou são mal catalogados. Tem muita fonte que não foi sistematizada e daí vem a importância dessas pesquisas que fazem esta sistematização. Porque não há como fazer uma reflexão, um estudo teórico crítico se não houver fontes sistematizadas. Vou dar um exemplo, quando fiz o meu mestrado/doutorado trabalhei com as capas da Revista “O Globo” e depois com ilustrações. Este material não estava organizado, ninguém havia feito isso. Tive o trabalho de sistematizar tudo, fotografar, fazer as fontes primárias, listar livro por livro com data, número de páginas, etc. Fiquei um mês fazendo isso, passando as informações para o computador, pegando livro por livro que eu tinha e montando uma biblioteca com 800 livros da Globo dessa época. Passei meses no Hypólito pesquisando, procurando material do Nélson Boeira Faedrich, que foi um dos artistas que eu trabalhei, o qual revolucionou a estética dos cartazes nas décadas de 30 e 40. Perguntei se havia algum material do artista e eles me informaram que não. Fui ao local mais umas três ou quatro vezes. Foi quando, faltando duas semanas para entregar a pesquisa, sugeri para o atendente que me deixasse procurar na o material na mapoteca. Felizmente, achei um cartaz bem colorido, com contraste entre rosa e verde num papel fino, puxei e ali estava a obra completa do artista. Fotografei tudo e pedi a um amigo que reproduzisse estas imagens em altíssima resolução. Este conteúdo fez toda a diferença no meu trabalho.

13- Quais tuas expectativas com relação a tua carreira de historiadora da arte?
Gostaria de publicar um livro e ter uma editora de livros. Quero continuar a dar aula, fazer pesquisa e futuramente fazer um pós-doc fora do país.

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