terça-feira, 1 de julho de 2008

Entrevista Arte-Educador: Carine Betker



Por favor, apresente-se e diga onde trabalha.

Meu nome é Carine Betker, e trabalho no Santander Cultural a praticamente um ano. Inicialmente, trabalhei em uma ação, uma parceria entre o Santander e o CIEE, onde convidávamos as pessoas que iam abrir conta no banco a conhecerem o espaço cultural, e no momento estava acontecendo a exposição “O Grão da Imagem”, da artista gaúcha Vera Chaves Barcellos. Esse foi um trabalho temporário, e a partir da Bienal do Mercosul, passei a trabalhar efetivamente como mediadora da equipe da ação educativa do Santander Cultural.

Por que do interesse pela arte?

É algo que vem desde criança, mas por uma veia artística, um conceito diferente do que tenho hoje sobre arte. Quando morávamos em São Miguel das Missões, minha irmã pintava panos de prato, e as tintas, as cores, eram coisas que me fascinavam. Eu ficava ali, olhando, além de desenhar muito. Quando eu tinha seis anos, nos mudamos para a cidade e, o fato de ter aquele monumento histórico também me puxou, pois havia um apelo visual muito forte. Na escola, tive contato com um livro do René Magritte, e foi uma das coisas que me influenciou, achei muito interessante. É algo que vem sendo construído desde a minha infância.

Qual a sua formação profissional?

Iniciei minha formação em 1999, quando ingressei na Unijuí no curso de Educação Artística, o nome na época. Terminei o ensino médio em 1997, e fiquei um ano sem pensar em estudar. Minha famíla me incentivou a retomar os estudos, até porque eu havia cogitado fazer artes em Santa Maria, era algo que eu já tinha na minha cabeça. Porto Alegre, na época, era fora de questão. Meu pai me incentivou, não tinha muito dinheiro para bancar os estudos, mas não tivemos maiores problemas e consegui me formar. De certa forma, apesar de ser uma entidade particular, o custo que se tem para se manter em outro lugar, como aqui, acabava equivalendo. Eu tinha, é claro, uma certa visão da arte antes da universidade, uma coisa muito mais para o decorativo. Quando percebi que era algo muito mais amplo e complexo que isso, eu me apaixonei pela coisa. Não sabia, no entanto, se queria ser professora, mas quando comecei a ter minhas primeiras experiências em sala de aula, através de estágios, acabei gostando. De certa forma, tem uma coisa que eu estava levando junto: enquanto cursava a faculdade, eu tinha uma loja de roupas femininas na minha cidade, e isso, em certos aspectos, influenciou meu trabalho artístico, que é em cima do universo feminino. Tem esse ponto: a tua vida é quem vai te formando, não apenas a academia. É uma forma de unir as coisas.
Fiz uma pós-graduação em metodologia de ensino da arte e, depois, fiquei um tempo parada, sem estudar, e aquilo me incomodava muito. Sentia a necessidade de estar mais envolvida com a arte. Uma amiga me convidou para morar aqui e, quando vim para cá, eu tive realmente certeza do que queria, e acabei vendendo a loja.

Como é um dia típico de trabalho?

Existe uma pessoa encarregada de fazer os agendamentos das visitas, e essas informações nos são repassadas: quantas turmas virão, se são crianças ou não, quantas pessoas por turma. O movimento é muito forte, principalmente em época de exposição.

Tem-se um tipo de abordagem diferente, conforme o público?

Sim, tu tens que ter uma postura diferente com a criança de 1ª série, 4ª série, ensino médio. De certa forma, tu acaba tendo de se adaptar à turma que está vindo; adaptar o discurso, as formas de abordagem, a linguagem empregada, a fim de ter um acesso maior ao público.

Vocês têm reuniões periódicas e cursos de aperfeiçoamento profissional?

Sim. Todos os dias estamos pesquisando alguma coisa sobre os artistas que estão em exposição. O legal é que fazemos debates sobre as percepções que se tem da exposição.

A entidade onde trabalha fomenta esses cursos, ou vocês vão buscar em outros locais?

Sim. Nós temos bastante incentivos, principalmente para a troca de idéias dentro do espaço. Como recebemos convites sobre tudo o que está acontecendo na cidade ou fora dela, temos liberdade e apoio para fazermos os cursos que desejarmos. Atualmente, toda a equipe está fazendo um curso da ação educativa da Fundação Iberê Camargo.


Qual a responsabilidade profissional de um mediador, e como encaras a profissão?

É uma responsabilidade bem grande, porque tu tens que estar sempre em constante pesquisa sobre o que está sendo exposto, e tu tens uma responsabilidade, de certa forma, com a percepção que as pessoas vão ter. É uma formação de opinião, uma opinião sobre a arte, não é tão simples assim. É a responsabilidade de fazer as pessoas perceberem aqueles trabalhos, até porque no momento em que se está na mediação, tu obrigatoriamente faz com que aquelas pessoas fiquem pelo menos uma hora e meia dentro do espaço. Se a pessoa chega sozinha, acontece de muitas delas não ficarem nem quinze minutos dentro da exposição, não se detendo e não estabelecendo um diálogo com nenhuma das obras. Essa é a função do mediador, fazer o embate com as obras, instigar, não dizer apenas o que o artista busca com aquilo. A função do mediador é muito mais de perguntar do que de responder, elaborar perguntas para o público a partir das obras. Tentam-se fazer perguntas, lançar idéias, instigar. Despertar uma certa curiosidade. Busca-se interagir com o público, envolver as pessoas. Se não acontecer isso, algumas pessoas vão dominar aquele trabalho e outras vão ficar de canto.

Quais os maiores desafios já enfrentados?

Cada exposição é um desafio, porque nos primeiros dias não se tem tempo suficiente, ou porque a exposição acabou de ser montada e já está abrindo, então não se tem tanta familiaridade com as obras, e acontece que as pessoas te puxam muito, testam e querem que tu tenhas, algumas vezes, informações absurdas. Uma dificuldade grande, também, é com o público adolescente. Na exposição File, que foi uma mostra interativa, por timidez muitos deles ficam apáticos, dificultando a envolvimento do grupo com a proposta da mediação. Buscamos, então, maneiras de fazer as pessoas se interessarem por aquilo que estão vendo. Não é uma simples questão de gostar ou não, mas de se fazer permitir um olhar melhor.

Como fica a tua cabeça quando não acreditas na proposta do artista que está apresentando, e como é que passas isso para o público?

De certa forma, tu tens que entender um pouco o porquê daquele artista estar ali. Não concordar não é algo freqüente, até porque alguma coisa naquele trabalho tem uma certa importância, mesmo não sendo o melhor trabalho da exposição ou do artista. Procuramos, sempre, algum aspecto relevante, de certa forma tu tens que encontrar uma linha no trabalho da pessoa que te instigue. Acontece, como um trabalho complicado da mostra File, chamado Dakota. Ele tinha um texto um pouco vulgar (era uma instalação audiovisual). Inicialmente eu estava com um certo ranço porque achava complicado, mas passei a perceber que era muito estimulante sonora e visualmente, sem prestar atenção ao conteúdo do texto. Tem, é claro, toda uma questão da crítica, e então busquei outras características do trabalho, até para não ficar me bloqueando, tendo preconceitos que me impedissem de ver outras coisas.

Quando inicia uma nova exposição, como se dá o repasse de informações sobre o artista e sua obra?


Sempre tem a curadoria da exposição. Geralmente a idéia, a concepção geral da exposição, é um texto do curador que nos é passado. Dependendo do curador e da exposição, eles fazem cursos com a gente ou, em outros casos, quando se tem a lista de artistas já definida, a gente parte para a pesquisa bibliográfica; Internet é a melhor coisa que existe, tu descobre tudo sobre cada um deles. A gente vai conversando e formando um conceito sobre esses artistas.

Possui projetos próprios relacionados à arte. Fale sobre eles, e de que forma o trabalho de mediador influi ou não sobre ele?

Projetos são vários, e esse trabalho de mediação é algo que ajuda muito, tanto no sentido da educação, pois aprendemos muito nesse contato com o público de escolas, e com o contato especialmente desse embate das escolas com as obras de arte em si. Vem crianças que nunca tinham visto uma obra de arte na vida. Tu vai criando didáticas, formas de envolver, de despertar alguma coisa, colocar uma sementinha ali que vá gerar frutos futuramente.
Estamos formando um coletivo de artistas no Santander, que terá provavelmente o nome (In)consequentes Coletivos, influenciado pelas conseqüências de convívio. Também tem uma outra questão na qual estou trabalhando: quero me especializar mais, quero fazer mestrado, para atuar na área de educação de artes. Uma das minhas metas é a questão do mestrado relacionado à arte, para daqui a algum tempo estar trabalhando em universidades, pois assim, de certa forma, estarei espalhando um pouco mais essa semente. Vou estar trabalhando e conseguindo atingir um público de professores de licenciatura ou de artistas mesmo, gerando multiplicadores.

Como se encaixa a função do mediador na hierarquia do campo da arte? A quem deve reportar-se ou recorrer, em caso de dúvidas? Com quem interage e como se dá essa interação?

Hierarquia é complicado de definir. Nós somos, de certa forma, formadores de opinião, e estamos no meio do crítico, do curador, que estão dando forma ao trabalho do artista. Estamos entre o trabalho do artista e o grande público. Estamos tentando fazer uma ponte entre a arte, os artistas com sua arte (não podemos descolar o artista de seu trabalho) e o público. De certa forma, procuramos fazer isso. Quando se tem dúvidas, buscamos fundamentação teórica. Geralmente, vamos em busca da chefia, mas nem sempre eles possuem todas as informações. Buscamos, então, teóricos, bibliografias que dêem o suporte que está faltando.

Existe um acervo bibliográfico a disposição?

Nós temos uma biblioteca. É uma estante com coisas bem consideráveis.

Com relação ao acervo de arte, vocês têm, como arte-educadores, acesso as obras quando não estão expostas?

Esse tipo de acesso não se tem, até porque o Santander não é um museu como o MARGS. O Santander não tem um acervo, porque a cada três ou quatro meses se está mudando de exposição, e geralmente quando o espaço, a museografia do espaço está pronta, que as obras são colocadas, e isso acontece muito em cima da hora. O acesso às obras acontece geralmente durante o processo de montagem da exposição, inclusive temos a possibilidade de contato com os artistas.

Comentaste anteriormente sobre oficinas. Poderia falar mais a respeito?

No File, não fizemos oficinas em função da mostra, não tinha sentido porque não tínhamos equipamentos digitais para fazer oficinas para vinte, trinta pessoas, mas sempre se aceitam oficinas a partir da exposição. As oficinas são ministradas pelos mediadores. No Jorge Macchi, da 6ª Bienal, a gente fez muita coisa, tanto é que todo mundo que está trabalhando lá é formado em artes, isso é necessário para as oficinas; precisa-se de uma base. Além disso, não estamos sempre repetindo as mesmas oficinas, pois sempre vão surgindo muitas idéias. Fazemos oficinas com os pequeninhos da creche, e até com professores de universidade. É feita uma hora de mediação no espaço e meia hora de oficina.

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